No
estudo do desenvolvimento dos processos cognitivos do ser humano, Jean Piaget é
uma referência incontornável. A sua teoria permitiu perceber que o pensamento
da criança é qualitativamente diferente do pensamento do adulto. A sua
perspetiva construtivista afirma que as estruturas do pensamento são produto de
uma construção contínua do sujeito que age e interage com o meio.
Antes de abordar a teoria de Piaget,
torna-se necessário compreender o conceito de estádio. Estádios são fases ou
etapas qualitativamente diferentes por que passa o desenvolvimento intelectual.
Estádios mais avançados significam formas de equilíbrio mais estáveis. Piaget
define 4 estádios na sua teoria:
- Estádio sensório-motor
- Estádio pré-operatório
- Estádio das operações concretas
- Estádio das operações formais
Existem também outros aspetos
importantes de salientar antes de abordar a teoria de Piaget:
- A ordem pela qual se avança de um
estádio para outros é a mesma em todos os seres humanos, mas o período em que
se passa de um estádio para outro não é fixo, dependendo de fatores biológicos,
culturais, educacionais e sociais.
- Relativamente à noção de esquema,
imaginemos um arquivo de dados na nossa cabeça. Os esquemas são equivalentes às
fichas deste arquivo – são as estruturas mentais e cognitivas pelas quais
organizamos intelectualmente o meio.
- O desenvolvimento acontece graças
ao equilíbrio entre assimilação e acomodação, resultando em adaptação.
- Não podemos esquecer a importância
do meio como estímulo. Aliás, a perspetiva construtivista de Piaget afirma que
as estruturas do pensamento são produto de uma construção contínua do sujeito
que age e interage com o meio.
- Existem diferentes fatores do
desenvolvimento na teoria psicogenética de Piaget, sendo que existem fatores
influenciadores do desenvolvimento, que são a hereditariedade (maturação
biológica), a experiência física (experiência que resulta das ações realizadas
materialmente) e a transmissão social (fator da educação), e um fator
determinante, que é o processo de equilibração.
- De acordo com Piaget, assimilação
é “...uma integração nas estruturas prévias, que podem
permanecer invariáveis ou são mais ou menos modificadas por esta própria
integração, mas sem descontinuidade com o estado precedente, isto é, sem serem
destruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação”. Piaget dá a
seguinte definição de acomodação: “Chamaremos acomodação (por analogia com os
"acomodatos" biológicos) a toda a modificação dos esquemas de assimilação
sob a influência de situações exteriores (meio) aos quais se aplicam”. Já a
equilibração será a auto-regulação entre os processos de assimilação e
acomodação que permite a adaptação do indivíduo ao meio, permitindo uma
progressão no sentido de um pensamento cada vez mais complexo.
- As
estruturas construídas e específicas de determinada idade ou estádio integram a
estrutura do seguinte.
- Os
elementos de determinado estádio estão intimamente ligados entre si e
contribuem de forma conjunta para caraterizar certo comportamento.
- O
estádio não surge definido e acabado, mas surge sim no sentido de ser superado.
- Os
estádios de Piaget focam essencialmente o aspeto intelectual no desenvolvimento
humano.
1 – Estádio sensório-motor
Este estádio vai dos 0 aos 2 anos. É
visto como a fase de adaptação ao mundo exterior, e a fase em que predomina o
desenvolvimento das perceções e movimentos, servindo-se destes para compreender
o mundo, sacudindo um objeto novo, por exemplo. A criança começa a aperceber-se
que está separada do resto do mundo, tal como os objetos que a rodeiam. O
grande e acelerado desenvolvimento físico que ocorre nesta altura permite que
novos comportamentos apareçam, tais como sentar, gatinhar ou andar, o que
levará a um domínio maior do ambiente. O sujeito chega ao conhecimento por meio
das suas próprias ações, (através da perceção e movimentos) controladas por
informações sensoriais imediatas (daí este estádio denominar-se
sensório-motor). Se um objeto desaparecer do campo de visão no início do
estádio, deixa automaticamente de existir para o bebé (percebe-se assim a
brincadeira em que alguém tapa a sua cara e de repente mostra-a e diz “Bu!”).
Inicia-se o processo de socialização do bebé, inserido num determinado contexto
psicossocial.
Desde
o nascimento até aos 2 anos de vida, o bebé começa a construir a sua
personalidade, sendo fundamental nesse aspeto a sua mãe ou outra figura
materna, sobretudo na forma como alimenta o filho.
Os
aspetos mais importantes do estádio sensório-motor são os seguintes:
-
A exploração manual e visual do ambiente (provavelmente a grande marca deste
estádio)
- A experiência obtida com ações, a
imitação
- A inteligência prática, ou seja,
através de ações
- Ações como agarrar, sugar, atirar,
bater e chutar
- As ações ocorrem antes do
pensamento
- A centralização no próprio corpo
- Aprendizagem da noção de
permanência do objeto
Este 1º estádio apresenta 6
subestádios, que vão desde o uso de reflexos até à capacidade representacional
do uso de símbolos: 1 – o uso dos reflexos; 2 – as reações circulares
primárias; 3 – as reações circulares secundárias; 4 – coordenação de reações
circulares primárias e secundárias; 5 – as reações circulares terciárias; 6
- invenção de novos significados para as
coisas através de combinações mentais.
2 – Estádio pré-operatório
Este estádio vai dos 2 até aos 6/7
anos. Esta fase é vista como uma fase de preparação para o pensamento
operatório concreto. A criança deverá ser capaz de manipular o seu ambiente
simbólico graças às suas representações do mundo externo. A criança aprenderá a
representar o objeto por palavras e usá-las mentalmente.
Esta fase é crucial, pois o
desenvolvimento da personalidade iniciado no estádio anterior vai-se tornar
muito mais claro e definido. Também é neste período que ocorrem um grande
número de mudanças físicas e a maturação neurofisiológica, permitindo, por
exemplo, uma coordenação motora muito mais apurada e fina. Apesar destas
grandes mudanças, a maior é, sem dúvida, o aparecimento e desenvolvimento da
linguagem, que, a par da imagem mental, do jogo simbólico e do desenho, fazem
parte da função simbólica. Apesar da linguagem parece mais um monólogo, na
medida em que a criança é nesta altura muito egocêntrica e não se interessa
pelas respostas dos outros, a linguagem origina boas consequências, tais como a
aceleração do desenvolvimento do pensamento (ao surgir o pensamento, significa
que a criança é capaz de substituir esquemas de ação por esquemas de
representação), e a capacidade de interagir e comunicar com os indivíduos.
Apesar de tudo, as operações mentais
da criança limitam-se ao “aqui” e “agora”, e a acontecimentos concretos.
Linguagem: as palavras, as frases, representam pessoas,
situações, objectos, acções
Jogo
simbólico: no faz-de-conta, a criança imita, representa um conjunto de
comportamentos, de acções
Imagem mental: representação mental de objectos ou acções não
presentes no campo perceptivo: a imagem mental, embora estática, é o suporte
para o pensamento
Desenho: atribui
significado ao desenho, fazendo riscos na horizontal, na vertical, espirais,
círculos, no entanto, não dá nome ao que desenha; tem uma imagem mental depois
de criar o desenho
O
estádio pré-operatório divide-se em dois subestádios, cada um deles com as suas
particularidades. Os subestádios e suas caraterísticas são os seguintes:
-
Pensamento simbólico pré-conceptual: dos 2 aos 4 anos
.
Animismo – dá vida às coisas (ex: diz à boneca que tem que comer a sopa toda)
.
Realismo – materializa as suas fantasias (ex: se sonhou que o lobo está no
corredor, pode ter medo de sair do quarto)
.
Finalismo – nada acontece por acidente, tudo tem uma justificação finalista
(ex: as nuvens movem-se para tapar o sol)
.
Artificialismo – objetos físicos e acontecimentos naturais são produzidos por
pessoas (ex: “Quem pintou o céu?”)
.
Egocentrismo – incapazes de compreender as coisas de outro ponto de vista que
não o seu (ex: “Há vento porque estou com muito calor”)
-
Pensamento intuitivo: dos 4 aos 7 anos
.
Irreversibilidade – ausência da noção de irreversibilidade (ex: a criança tem
um irmão chamado Pedro, mas o Pedro já não tem irmão)
.
Dificuldades de transformação – incapacidade de compreender os processos que
implicam mudança, pensamento centrado nos estados presentes
.
Centralização – pensamento centrado num só aspeto físico ou dimensão de um
objeto ou situação
.
Não conservação – incapazes de compreender que a quantidade pode permanecer
embora se mude seu aspeto ou aparência
.
Sincretismo – as crianças não são capazes de separar diferentes aspetos ou
partes de uma situação ou objeto e agira de acordo com as suas caraterísticas
.
Dificuldades de classificação – as crianças normalmente experimentam
dificuldades para estabelecer e relacionar classes de objetos ou situações
.
Dificuldades de seriação – as crianças têm normalmente dificuldade em ordenar
ou criar séries
3 -
Estádio das operações concretas
Este estádio vai dos 6/7 anos até
aos 11/12 anos. O crescimento físico abranda, tornando-se mais lento e as
diferenças relativamente ao masculino e feminino começam a notar-se mais, sendo
que é pouco usual a convivência com o sexo oposto. O indivíduo encontra-se
pronto para um processo de aprendizagem sistemática (justamente quando inicia a
escola), tornando-se progressivamente mais independente em relação aos adultos,
configurando mesmo os sues próprios valores morais. Aliás, nota-se uma grande
diferença no início e no final do estádio das operações concretas: enquanto no
começa leva muito a sério as opiniões e argumentos dos adultos, no fim
enfrenta-os.
Uma grande caraterística deste
estádio é a grande reorganização que o pensamento sofre. Várias mudanças
ocorrem na criança: deixa de confundir o real com a fantasia, possui uma
representação mental das pessoas e objetos, alcança uma linguagem oral,
consegue ordenar os objetos pelas suas semelhanças e diferenças, executar
operações matemáticas, obtém a noção de tempo e de número e o seu pensamento
apresenta as caraterísticas de reversibilidade e associação.
Contudo, as grandes mudanças
ocorrentes neste estádio ainda se limitam ao mundo imediato e concretamente
real.
As caraterísticas do estádio das
operações concretas são as seguintes:
- Por volta dos 7 anos, a
assimilação e a acomodação equilibram-se de forma mais estável
- Pensamento lógico – capacidade de
fazer operações mentais a um nível concreto
- É ultrapassado o egocentrismo, e
consequentemente aumenta a empatia
- Propriedade transitiva – ex: a é
maior que b, b é maior que c, logo a é maior que c
- Reversibilidade – ex: se a criança
chamada Ricardo tem um irmão chamado Pedro, o Pedro tem um irmão chamado
Ricardo
- Pensamento descentrado – ex:
quando um marroquino vem a Portugal, é estrangeiro; quando um português vai a
Marrocos, também é estrangeiro
- Noção de conservação – matéria
sólida aos 7 anos; líquida aos 8; peso aos 9 e volume aos 11 anos
- Conceitos de espaço, tempo, número
e lógica
- Classificações e seriações
4 – Período das operações
intelectuais abstractas: dos 12 anos em diante
Este estádio caracteriza-se pelo aparecimento
de um novo tipo de pensamento: um pensamento abstracto, lógico e formal que
permite um tipo de experimentação mental mais flexível. É o estádio das ideias,
reflexões e projectos.
Neste estádio já são realizadas operações
formais (sem suporte concreto). O adolescente coloca mentalmente as hipóteses,
deduzindo as consequências – raciocínio hipotético-dedutivo. O pensamento
hipotético-dedutivo é o aspecto mais importante apresentado nesta fase de
desenvolvimento, pois o ser humano passa a criar hipóteses para tentar explicar
e consertar problemas, o foco desvia-se do "é" para o "poderia
ser". Esta capacidade abre caminho à reflexão filosófica e científica.
Surge
um novo tipo de egocentrismo: o egocentrismo intelectual, que leva o
adolescente a considerar que através do seu pensamento pode resolver todos os
problemas e que as suas ideias e convicções são as melhores.
Importa também evidenciar que, segundo
Piaget, é o amadurecimento biológico do adolescente que torna possível a
aquisição das operações formais, estas que representam o ponto máximo do
processo do desenvolvimento cognitivo.
Reflexão aplicada ao desporto
Concluída a abordagem à teoria de
Piaget, surge-nos a necessidade de refletirmos sobre as consequências que esta
teoria transfere para o desporto. De fato, tal como o indivíduo se desenvolve
de forma progressiva e construída, tal como os vários estádios se desenvolvem
da mesma forma, o treino deverá estar articulado com este aspeto, ou seja,
respeitando a evolução da criança. Isto leva a que a complexidade dos
exercícios e do treino se devam aumentar de forma progressiva à medida que a
criança se desenvolve física e mentalmente. Parece-nos evidente que os
exercícios destinados a sujeitos de 11/12 anos não deverão ser aplicados em
crianças de 6/7 anos. Construir exercícios com uma complexidade mais alta que o
nível atual da criança poderá levar ao falhanço do aluno ou atleta (algo que
normalmente traz consequências, seja nas aulas de Educação Física, seja no
treino), e levará muitas vezes à frustração do professor ou treinador, na
medida em que este não conseguiu verem os seus exercícios serem realizados como
pretendia. Exercícios com complexidade mais baixa também não deverão ser
aplicados, na medida em que não desafiam o aluno ou atleta, e este realizará o
exercício sem nenhum esforço.
Um bom exemplo do respeito pela
evolução da criança é a progressão pedagógica da natação, que está dividida em
várias etapas, sendo que a criança deve passar à etapa seguinte após cumprir
com êxito a anterior.
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